Caderno de Resumos – I Colóquio Leo Strauss

14/09/2021 12:05

 

Maquiavel, professor do mal? Notas sobre a interpretação de Leo Strauss

Jean Castro – UFSC

Diversos comentadores apontaram que Leo Strauss não apenas “redescobriu” a escrita esotérica, como também a praticava, especialmente no terceiro período de sua obra, que é aberto com o livro Reflexões sobre Maquiavel. Nesta comunicação, pretendo analisar o que seria exotérico e esotérico na sua retomada da “opinião simples” de Maquiavel como “professor do mal”. Para tanto, concentro minha análise no que pode ser revelado a partir de uma pista metodológica que Strauss fornece quando discorre sobre o papel das introduções e dos finais e a importância do centro nos livros esotéricos. Pretendo aplicar essa recomendação metodológica ao livro do próprio Strauss e analisar de forma um pouco mais detida o que está no centro. Nessa investigação, sustento que a retomada da opinião simples sobre Maquiavel é irônica, isto é, com ela Leo Strauss pretende dizer “coisas diferentes sobre o mesmo objeto a pessoas diferentes”. Para a audiência filosófica, Strauss quer mostrar que o problema de Maquiavel não é o maquiavelismo em si ou mesmo o seu possível caráter anticristão, como alegado pela opinião simples. O problema maior de Maquiavel seria a sua ruptura com a tradição clássica. A ruptura com os clássicos não implica ruptura total com o cristianismo. Para Leo Strauss, Maquiavel faz apenas uma “crítica imanente” ao cristianismo que inicia a crítica imanente feita pelo iluminismo radical. A crítica imanente preserva e radicaliza aspectos centrais daquilo que critica – tais como a probidade intelectual, o igualitarismo e a propaganda – e estaria na origem dos movimentos políticos radicais que estabeleceram as tiranias modernas. A intenção de Strauss com seu ensinamento nas entrelinhas é seduzir os potenciais filósofos do futuro para a posição de responsabilidade política dos escritores antigos criticados por Maquiavel.

 


 

A base da filosofia política de Hobbes segundo Strauss

Delamar José Volpato Dutra – UFSC

Strauss contrasta, na obra de Hobbes, os métodos, científico de Galilei, geométrico de Euclides e moral de Tucídides. De acordo com ele, o naturalismo científico seria inconsistente com o projeto de Hobbes, pois geraria contradições e contrariedades, do que ele conclui que o conceito de natureza humana não poderia ser aquele advindo da ciência física. Reluz na tese de Strauss a ideia de que a inveja seria o traço determinante da natureza humana e que só tal traço seria bastante para justificar o tipo de Estado defendido por Hobbes. O presente trabalho avança a tese de que as várias perspectivas de tratamento da natureza humana em Hobbes podem ser vistas sob uma perspectiva holista, a quais, muito embora possam gerar uma certa tensão, não vão ao ponto da inconsistência por contradição ou contrariedade, tal como apontado por Strauss. Por fim, avança, também, a hipótese de que o traço da inveja não pôde ser apagado completamente por teorias posteriores sobre o Estado.

 


 

Leo Strauss, Straussianos e o republicanismo

Luís Falcão – DCP/PPGCP-UFF

Há uma atração inconteste e paradoxal entre as pesquisas sobre o republicanismo e a herança da posição de Leo Strauss em relação à modernidade. Sentenciava ele que o Ocidente moderno se separa da Antiguidade, porque substituiu a virtude pela liberdade, levando à decadência da filosofia política na expressão do direito natural. Em si mesmos, seus escritos pouco se atinham ao republicanismo. Restaria a tarefa aos seus seguidores mais eminentes tratar do assunto. Paul Hare, Vicky Sullivan, Catherine Zuckert, Michael Zuckert, Patrick Cobby são os principais expoentes dessas pesquisas que, na prática, se opõem à chamada Escola de Cambridge e seus desdobramentos analíticos. Há, porém, um motivo teórico para a aparente aporia entre republicanismo e a unidade da modernidade. Ora, se a condição da filosofia política moderna é submeter a virtude à liberdade, as diferenças entre os liberalismos e os republicanismos ou são irrelevantes ou simplesmente não existem. Por que, afinal, debruçar-se sobre uma tradição e uma teoria que é mero braço, muitas vezes instrumentalizado, do liberalismo? A resposta mais direta seria pela comprovação da decadência da filosofia política moderna. Mas essa resposta é demasiadamente simplória e apressada. A estrutura dos argumentos é quase sempre contraintuitiva, ou seja, se a tradição que mais valoriza a virtude não a valoriza na modernidade em razão de defender a liberdade, parece lógico supor que nenhuma outra o faria com maior ou igual competência. Não se trata apenas de uma posição antiliberal ou da reafirmação per se da interpretação do mestre, mas de criticar a suposta hegemonia liberal. Esse argumento supõe uma contrariedade inerente entre virtude e liberdade, o que força os autores a aproximar o republicanismo do liberalismo.

 


 

Leo Strauss e o Problema da Tirania.

Helton Adverse – UFMG

Em 1948, Leo Strauss publica um estudo sobre o diálogo Hiéron (ou Hiero), de Xenofonte. Ao debruçar-se sobre esse “texto esquecido”, seu objetivo era abrir o debate acerca da necessidade da restauração da filosofia política na época atual. Essa necessidade era premente uma vez que nos deparamos nos dias de hoje com uma nova forma de tirania, que pretende ser “perpétua e universal”. A compreensão da natureza dessa nova tirania depende do recurso à ciência política clássica, o que justifica a leitura do Hiéron, único tratado antigo dedicado exclusivamente ao tema. Mas a retomada de Xenofonte é acompanhada de uma crítica a Maquiavel, pois que o florentino seria o responsável pelo apagamento da distinção entre monarquia e tirania, isto é, a neutralização do juízo político acerca da tirania. O percurso de Strauss (visando compreender a tirania moderna e o sentido da filosofia política) parte, então, de Xenofonte, passa por Maquiavel e chega à contemporaneidade, dando ensejo a um debate com Alexandre Kojève que defende uma visão muita diferente da de Strauss no que concerne ao status da tirania. O objetivo de minha comunicação consistirá em recapitular os principais momentos desse percurso, mas com um foco bem definido: mostrar que para Strauss a filosofia política clássica, que desemboca em uma reflexão sobre a melhor forma de vida política, não pode deixar de aprofundar o questionamento sobre sua forma mais degradada, a saber, a tirania.

 


 

A redescoberta da escrita esotérica

Igor Campos – UFSC

Em Persecution and the Art of Writing, Leo Strauss critica o modo com que os historiadores modernos procedem ao interpretar os textos clássicos da filosofia política, lendo-os apenas dentro de seus contextos históricos. Ao redescobrir a escrita esotérica, o autor procura evidenciar na tradição filosófica a existência de um discurso velado sobre os problemas fundamentais e trans-históricos da vida humana, especialmente das questões políticas. Para Strauss, há um conflito intransponível entre o livre pensamento estimulado pela investigação filosófica, e os valores convencionais que orientam os cidadãos no interior das sociedades. A filosofia – como ilustra o julgamento de Sócrates, põe em xeque as opiniões estabelecidas por uma comunidade política, representando, portanto, uma ameaça a coesão social. Esta tensão exige que o filósofo guarde seus ensinamentos apenas para os iniciados na vida filosófica, não somente para se proteger contra a perseguição e o ostracismo, mas também motivado por uma atitude prudente em relação a preservação da estrutura social. Há, além disso, o nobre interesse em apresentar para o vulgo ensinamentos edificantes que estimulem a boa vida e, por fim, a necessidade de alistar os jovens pré-dispostos à vida filosófica. O objetivo desta comunicação é analisar os elementos centrais do argumento straussiano em defesa do esoterismo, refletindo sobre sua crítica à historiografia moderna; seu convite para uma sociologia da filosofia; as causas que levam à necessidade da escrita nas entrelinhas; e seus apontamentos para uma leitura correta dos textos filosóficos. Nossa hipótese é que o objetivo de Strauss, mais do que propor um método hermenêutico consistente, é estimular a abertura de novos horizontes para a compreensão do fenômeno político na história ocidental, bem como o encorajamento das classes políticas e intelectuais para a superação do que o autor costumava chamar “crise de nosso tempo”.

 


 

O Sentido de “retorno” para Leo Strauss

Elvis de Oliveira Mendes – UFU e UFF

Diante dos impasses da modernidade o retorno aos antigos foi a alternativa buscada por diversos cânones do pensamento contemporâneo. Nesse sentido, pensadores fundamentais como Nietzsche, Husserl e Heidegger, enxergaram cada um à sua maneira, as experiências intelectivas do passado como uma possiblidade de fuga diante de um presente decadente. O objetivo fundamental dessa exposição é proporcionar uma compreensão mais adequada sobre o que significa “retorno” para Leo Strauss. De fato, embora o professor de Chicago seja herdeiro direto da grande tradição da filosofia alemã e concorde com seus antecessores de que o pensamento clássico é a base de toda tradição do pensamento ocidental, retornar para Strauss possui um significado filosófico peculiar. Como é possível perceber nas palavras do próprio filósofo em Progress or return? “Retornar é aceitar que se tomou um caminho errado, que é necessário arrepender-se”, isto é, abrir a possibilidade de se fazer diferente.  Em The City and Man, Strauss é enfático, ao nos alertar que apenas os vivos aqui e agora podem lidar com os seus próprios problemas e que nenhuma experiência do passado pode nos trazer consolo ou solução. Sendo assim, a presente exposição pretende mostrar que compreender o significado mesmo do “retorno” de Strauss aos clássicos através da reabertura da querela entre os antigos e modernos na filosofia política é um passo seminal para a compreensão de todo seu pensamento, do contrário, cria-se brechas para interpretações completamente equivocadas. Minha hipótese é a de que o retorno aos antigos para Strauss opera enquanto retomada experimental de elementos do pensamento clássico e seu caráter investigativo, o que definia a própria linguagem do filósofo em relação ao cidadão comum e o estadista, deste modo, o que Strauss propõe enquanto retorno é o resgate de uma experiência de pensamento e rearticulação dos problemas permanentes.

 


 

Leo Strauss leitor de Platão: logografia, princípio da abstração e escrita nas entrelinhas

Tiago Azambuja Rodrigues – UFSM

Neste trabalho, tematizamos o método de Leo Strauss de leitura dos diálogos de Platão, problematizando o seu princípio basilar: o princípio de abstração (STRAUSS, 1957), que o autor justifica a partir de alguns trechos chaves do Fedro de Platão (275d4-276a7 e 264b7-c5) referente aos escritos e à lei logográfica. Em termos exatos, a ideia é avaliar a compatibilidade ou não do princípio de abstração de Strauss e da lei logográfica, já que (i) esta, pelos indícios da superfície textual, é sobre clareza e evidência, ao passo que aquele é sobre ocultação e o suposto esoterismo platônico, e que (ii) Strauss elabora tal princípio omitindo e fazendo uma interpretação claramente questionável das passagens do Fedro (sobretudo 275d4-276a7). Compreender a razão desta suposta incompatibilidade é essencial para o legado de Strauss, haja vista a centralidade deste trecho para a sua filosofia e interpretação de Platão (tenho em mente o que Strauss assere sobre o eros e a metafísica de Platão em City and Man). Por tais razões, os seguintes questionamentos são necessários: Strauss falha decisivamente como interprete de Platão? As principais implicações e proposições filosóficas decorrentes de “tal falha” são insólitas? A inconsistência da interpretação de Strauss (em questão) sobre o Fedro pode ser explicada, tendo em vista o teor desta, pela hipótese de que ele incorre em tal erro aparente porque nos comunica, nas entrelinhas, o possível caráter aporético de tais trechos do Fedro (relativo às questões da reminiscência/conhecimento e da oralidade/escrita neles presentes), também comunicado a nós por Platão nas entrelinhas. No entanto, ao atribuir o esoterismo aos diálogos, semelhantemente à escola de Tübingen, Strauss postula uma dimensão complexa (a mais) para estes, que inclusive escapa dos testemunhos indiretos e da própria evidência textual direta, de modo que voltamos para nosso questionamento inicial. Dessa forma, tal tensão nos leva às seguintes questões: se a dimensão nas entrelinhas dos diálogos existe, em que medida seu conhecimento é confiável e acessível? No caso de ela não existir, em que medida o afastamento de Strauss (de Platão) compromete a solidez de suas proposições filosóficas de “inspiração platônica”? Ao nosso ver, talvez a resposta a estas últimas questões depende da própria veracidade do que Strauss entende como experiência filosófica, compreendida como erótica, mais próximo de Nietzsche do que de Platão.

 


 

O que Leo Strauss teria a nos dizer sobre a pós-verdade?

Evaldo Sampaio – UnB

De um ponto de vista histórico-filosófico, entende-se que a modernidade se estabelece com a “revolução científica” consolidada no século XVII, sobretudo pela ruptura desta com as “cosmologias antigas” e a autoridade religiosa quanto a questões sobre o conhecimento e os valores. O seu mote seria o “eu estou pensando, logo existo” e as consequências da exaltação da subjetividade que este instaura. Já a “pós-modernidade” insurge na segunda metade do século XX e remete a um suposto rompimento com os “princípios humanistas” que caracterizavam até ali os modernos. O lema agora é “não há fatos, apenas interpretações”, com todas as suspeitas que o abandono de qualquer base objetiva para o conhecimento ou os valores acarreta. Mais recentemente, acompanhamos o que alguns já caracterizam como “a era da pós-verdade”, com suas “narrativas” e “fatos alternativos”. A máxima aqui é que, quanto à opinião pública, “os fatos têm menos influência que os apelos às emoções e às crenças pessoais”. Assim, parece haver uma contraposição entre a modernidade e a pós-modernidade, por um lado, e entre a pós-modernidade e a pós-verdade, por outro. Afinal, o que os nossos humanistas, progressistas, identitaristas, nacionalistas e terra-planistas poderiam ter em comum? A partir do ensaio Os três movimentos da modernidade, de Leo Strauss, pretendo discutir que, a despeito de suas divergências filosóficas ou ideológicas, há uma profunda continuidade entre o pensamento dos modernos, dos pós-modernos e da pós-verdade. Num primeiro momento, analiso a hipótese straussiana de que o pós-modernismo seria um desdobramento da “querela entre os antigos e os modernos”, um “terceiro movimento da modernidade” e não, como se faz parecer, uma transgressão desta. Num segundo momento, sugiro que, se aquela hipótese de Strauss estiver correta, a era da pós-verdade, não obstante tenha uma orientação ideológica bem distinta dos pós-modernistas, ou é uma variante deste ou talvez uma nova e mais perigosa faceta da própria modernidade: aquela na qual não há apenas a relativização da verdade e da justiça, mas o próprio descaso pela distinção entre o verdadeiro e o falso, o justo e o injusto.

 


 

Entre o vício e a virtude: Tocqueville, Leo Strauss e o problema do regime liberal democrático

Iann Endo Lobo – Doutorando – Sociologia Política/UFSC

O objetivo da presente apresentação é analisar a interpretação de Tocqueville no seio da tradição intelectual straussiana. Strauss dedicou pouco espaço de sua obra ao teórico político francês, em contraste, seus discípulos reverenciam Tocqueville como o mais profundo teórico não apenas da América, mas do regime liberal democrático em geral, e são grandes entusiastas de sua obra. Contudo, há afinidades, mas também distanciamentos entre Tocqueville e Strauss, de forma que investigaremos quem, pra que fim e como os straussianos se apropriam de Tocqueville. Esperamos que além de contribuir para a compreensão da simbiose teórica entre Strauss e Tocqueville, o estudo ajude a esclarecer a posição de aliança crítica da escola straussiana com relação ao regime liberal democrático.  Dentre os straussianos nos deteremos principalmente sobre os escritos de Martin Diamond, Harvey Mansfield, Pierre Manent e Steven Smith que deram especial destaque à obra do pensador francês. Nossa hipótese é que o straussianismo é suscetível à Tocqueville por conta do fato de que o pensador francês julgou a democracia moderna de um ponto de vista moderado que não incorreu nem na negação reacionária, como fizeram os Bonald e de Maistre, nem se permitiu a contemplação tranquila ou fervorosa da democracia como o ápice do progresso histórico, na linha de Constant ou Guizot, e essa postura moderada, em nossa opinião, ao contrário do que defendem certos críticos, encontra paralelo na posição do próprio Strauss e seus acólitos.

 


 

Jerusalém e Atenas: o conflito entre revelação bíblica e filosofia em L. Strauss

Richard Romeiro

 Pode-se dizer que um dos propósitos fundamentais da obra de Strauss consiste em recuperar ou trazer novamente à tona o caráter politicamente problemático, insólito e socialmente perturbador da filosofia, contra o processo de popularização e, portanto, de domesticação da atividade filosófica levado a efeito pelos fautores do iluminismo moderno. A ideia straussiana é que, na sua expressão mais lídima e originária, tal como se pode observar a partir dos textos clássicos e medievais, a filosofia constitui uma experiência espiritual única e radicalmente disruptiva, que, envolvendo o questionamento audacioso das opiniões autorizadas da sociedade sobre temas políticos, morais e religiosos, torna possível a emancipação intelectual do indivíduo em relação à autoridade da comunidade política. Na visão de Strauss, isso significa que a irrupção da filosofia é um evento inquietante e mesmo atópico, que altera de maneira profunda e irremediável as relações do homem com a cidade, desencadeando uma rebelião intelectual sem precedentes contra as forças e instituições responsáveis pela manutenção da ordem cívica estabelecida. Avançando nessa linha de reflexão, Strauss procura mostrar ainda que essa rebelião do filósofo contra as forças e instituições que asseguram a ordem cívica é, em última análise, uma rebelião contra a lei divina, porquanto, nas sociedades pré-modernas, as leis são consideradas não como construtos humanos, mas como comandos derivados dos deuses ou daqueles que tiveram contato com os deuses. O objetivo de minha comunicação é mostrar de que forma, para Strauss, esse antagonismo da filosofia com a lei divina, que origina o célebre  “problema teológico-político”, atinge seu clímax e sua expressão mais intensa no encontro da filosofia com a revelação bíblica, engendrando aquele conflito espiritual que, aos olhos de Strauss, nos coloca diante da alternativa mais radical com a qual a civilização ocidental se confronta, a saber: a alternativa entre um modo de vida que se funda nas exigências oriundas da Bíblia e um modo de vida que se funda nas exigências da racionalidade grega, ou, para usar a metáfora straussiana, a alternativa entre Jerusalém e Atenas.

 


 

O problema do historicismo na filosofia política de Leo Strauss

Izabella Corrêa M. Coutinho

Na introdução e primeiro capítulo de sua obra mais popular, Natural Right and History(1953), Leo Strauss nos sinaliza o diagnóstico segundo o qual o historicismo se apresenta como antagonista da  filosofia  política,  sendo  em  grande  medida  responsável  pelo  seu estado de dissolução no século XX. Nesse sentido, é desde o ponto de vista da filosofia política que poderemos melhor compreender o processo  de  formação  do  fenômeno  do historicismo e sua consolidação no mundo contemporâneo como expressão do espírito do nosso  tempo.  Ao nos tornarmos por um momento  historiadores  das  ideias  críticas  em torno do direito natural, como Strauss sugere, lançamos luz sobre a gênese do fenômeno, os diversos movimentos por meio dos quais se deixa capturar, e sobretudo as contradições em que se enreda. Segundo o autor, o historicismo afirma a ideia de que todo filosofar pertence essencialmente a  um  mundo  histórico,  a  uma  cultura  ou  civilização,  sendo impossível, portanto, qualquer conhecimento de tipo transhistórico acerca dos assuntos humanos.  Todavia, de  fato,  tratar-se-ia de  um  fenômeno  altamente  difuso  que  recobre diferentes  versões:  há  uma  infância  do  historicismo  com  a  escola  histórica  alemã,  seu processo  de  amálgama  com  o  positivismo,  sua  crise  e  sua  apresentação  na  forma  do niilismo,  sua  roupagem  distinta  na  forma  da  moderna  ciência  social  weberiana  e  sua sofisticação e  radicalidade na  forma  do  existencialismo.  Seguindo  o  procedimento  de Strauss, poderemos perceber, por fim, de que modo o fenômeno do historicismo se coloca como  um  problema  incontornável  para  o  filósofo  político,  exigindo  dele,  ao  mesmo tempo, uma metodologia adequada em atenção à história, mas também, e tanto por isso, o esforço filosófico de indicar as condições de possibilidade da alternativa contraposta ao historicismo, isto é, a alternativa de uma filosofia não-historicista em cujo centro pôde florescer a ideia original do direito natural.

 


 

Leo Strauss e o Problema das Formas de Governo

Hugo Araújo Prado

Sobre a recepção do pensamento de Leo Strauss é possível encontrar uma posição caracterizada pela defesa da incompatibilidade do straussianismo com a democracia e pelo entendimento de que um dos seus pilares é a afirmação niilista da ausência de qualquer limite normativo para a política e para a violência, que seria legada de Leo Strauss. Essa posição ganhou atenção pública com artigos publicados em jornais populares em 2003, mas não deixou de ser endossada, em parte, por acadêmicos críticos de Strauss, como Shadia Drury e Anne Norton.

Com o objetivo de esclarecer a posição de Strauss sobre as formas de governo, em especial a democracia, busco elucidar uma linha de continuidade, centrada na preocupação da Leo Strauss com a normatividade, que liga o texto Niilismo Alemão a uma das principais teses da obra Direito Natural e História.

Ao atualizar o problema do melhor regime, Strauss nuança essa proposta com a afirmação de que a moderação deve informar a crítica da autoridade (da democracia). Ele estava ciente de que a derrogação dos regimes atuais em nome do melhor regime ou dos princípios universais seria facilmente subvertida em um uso ideológico da filosofia. Strauss mantém o ceticismo sobre a capacidade de conhecimento dos princípios universais, entendendo que o filósofo (afinado com a busca do conhecimento do todo) pode prover para a cidade um conhecimento sobre os princípios gerais, que serão sustentados publicamente como universais. Esse procedimento não será realizado sob o governo do filósofo, mas em uma mitigação do melhor regime, o melhor regime prático. Assim, Strauss propõe uma forma de governo mista, caracterizada pela conformação de uma aristocracia no centro de uma democracia de massas – seria um governo do gentleman com auxílio do filósofo.

 


 

A escolha existência entre o caminho do filosofar e o caminho da revelação no pensamento de Leo Strauss

Emília Agnes Assis de Lima – Doutora em filosofia pela UFMG

O objetivo desta comunicação é investigar a questão existencial envolvida no problema teológico político abordado por Leo Strauss ao longo de toda a sua obra. Trata-se de compreender a relação entre duas alternativas fundamentais de compreensão do mundo e inserção do indivíduo na comunidade e como o peso desse tipo de escolha conforma a sociedade, e sobretudo a relação da filosofia com o todo. O problema teológico-político se constrói na obra de Strauss principalmente a partir do seu estudo sobre a obra Tratado Teológico-Político de Baruch de Spinoza. Neste estudo, o pensador alemão conclui que Spinoza se aproxima de forma equivocada do problema teológico-político ao pensar a questão do ponto de vista do racionalismo moderno. Strauss desconfia da análise de Espinoza por acreditar que este está imbuído de uma mentalidade típica da modernidade. Tal mentalidade, segundo Strauss, nega a importância do tema que diz respeito ao enfrentamento entre dois modos de vida diversos, a saber a filosofia e a revelação. Para Strauss esse enfrentamento está longe de ser uma questão acessória para a filosofia, ao contrário, constitui-se como uma das questões que o autor classifica como permanentes e decisivas para a própria continuidade da filosofia como pensamento radical. O problema é formulado da seguinte maneira, a revelação segundo Strauss não tem compromisso com sua própria comprovação. Ao mesmo tempo que não carece de verificação para se sustentar como uma atitude diante da realidade a Revelação exige da filosofia isso que não se preocupa em estabelecer, isto é, uma demonstração. Logo, no caso da filosofia, este saber que reclama para si o distintivo da racionalidade não pode se recusar a demonstrar seus princípios e sua gênese de um ponto de vista racional. O que significa que a pergunta sobre a revelação não pode deixar de fazer parte das preocupações do filósofo. A resposta é que esta aporia não será resolvida nem pelo próprio Strauss. A vida filosófica se caracteriza por ter sua razão de ser fundada na dúvida radical permanente, isto é, no questionamento profundo que não se interrompe diante de nenhuma autoridade. Ao mesmo tempo, Strauss advoga que a filosofia oferece aos indivíduos uma noção do que é correto, ou seja, um horizonte de vida boa. Contudo, a este modo de vida se opõe para Strauss o modo de vida no qual o indivíduo se guia pela revelação, o que significa se guiar pela obediência a uma ordem transcendente e absoluta. Estes dois caminhos são excludentes e, no entanto, ambas as possibilidades convivem na cidade. A relação entre filosofia e revelação persistirá compreendida no registro de uma tensão insolúvel e o que restará para o filósofo como saída será uma escolha pura e simples. Uma escolha entre o assentimento e o livre pensar. E não é difícil concluir que aquele que se entende filósofo ou assim se intitula, assume imediatamente um compromisso irrevogável com o livre pensamento e se coloca pelo menos existencialmente como apartado da revelação. Esse parece ser o compromisso moral exigido pelo caminho da filosofia como forma de vida e que leva a importantes consequências.

 


 

Leo Strauss, mestre de sabedoria

Élcio Verçosa Filho

Como todo grande corpus de pensamento, a obra de Leo Strauss pode ser entendida de muitas formas. Crítica da modernidade, recuperação da filosofia política, promoção do pensamento conservador, crítica da religião, do historicismo e do relativismo, redescoberta do pensamento clássico – todas essas palavras ou expressões-chave designam abordagens mais ou menos legítimas dessa obra inquieta que carrega as marcas do século XX nos seus interesses, seus temas e na própria biografia do autor. Um traço, no entanto, projeta a atividade intelectual de Strauss para outro plano: a maneira como ele leu, e nos ensinou a ler, os grandes autores e os grande corpora da filosofia antiga e moderna. Com efeito, há, no século XX, uma variedade de pensadores e historiadores da filosofia de maior renome e quiçá de maior importância que Leo Strauss; nenhum, talvez, entretanto, tenha sido melhor leitor. Os exemplos são inúmeros. Praticamente toda obra conhecida de Strauss é, na realidade, a leitura de uma grande obra do passado. Nesse sentido, Strauss é “humilde” e não se destaca querendo ombrear-se com os grandes mestres. Consciente dos próprios limites, ele atua como um professor, ou, falando mais em acordo com a sua própria trajetória, como o comentarista medieval que se deixa carregar nos “ombros de gigantes” e tenta não abandonar o texto estudado um segundo sequer. Por outro lado, suas leituras aparecem, quando menos pela reação que as comunidades particulares de estudiosos dedicaram e dedicam a elas, inovadoras, radicais, polêmicas, controversas. Em alguns casos até mesmo fora do tom. Lendo o que aparentemente são os mesmos textos, muitos, para não dizer a maioria, não encontram as ideias que Strauss afirma, ou mais propriamente sugere, estarem ali. Isso acontece em relação à leitura de Maimonides; acontece com Hobbes; acontece com Espinosa; acontece com Locke e Bacon e, de maneira ainda mais notável, com Maquiavel. Mas o caso mais conspícuo e (não só por isso) o mais importante é o de Sócrates. O “problema de Sócrates” e o entendimento que a leitura de Strauss nos chama a ter sobre ele é, dentre todos os exemplos, o caso em que Strauss ter ou não ter razão teria as maiores e mais importantes consequências – consequências acadêmicas, sem dúvida, de grande monta, mas em especial para o nosso entendimento do que é a sabedoria. Porque o que está em jogo no “problema de Sócrates” – e não é somente Strauss quem o admite – é a natureza, o estatuto e o significado do próprio ato de filosofar. Relendo as suas últimas obras sobre o Sócrates de Aristófanes e o Sócrates de Xenofonte tentaremos jogar alguma luz sobre essa questão e sobre a contribuição (sua importância, propriedade, alcance etc.) da leitura de Strauss. É possível, depois das lições de Leo Strauss, “ler” e entender Sócrates (e a filosofia) da mesma maneira?

 

 

 

 

 

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I Colóquio Leo Strauss

13/04/2021 17:51

 

O Núcleo de Estudos do Pensamento Político realizará o I Colóquio Leo Strauss nos dias 15, 16 e 17 de setembro de 2021.

Este evento acadêmico tem o objetivo de promover o debate entre pesquisadores da obra de Leo Strauss, um dos filósofos políticos mais importantes do século XX.

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Os pesquisadores já confirmados para o evento são (em ordem alfabética):

 

Delamar José Volpato Dutra (Pós-doutorado em Filosofia na Columbia University; Professor na UFSC)

Élcio Verçosa Filho (Pós-doutorado em História da Filosofia e da Cultura na USP)

Elvis de Oliveira Mendes (Doutorando em Filosofia na UFU e em Ciência Política na UFF; bolsista CAPES)

Emília Agnes Assis de Lima (Doutorado em Filosofia na UFMG)

Evaldo Sampaio da Silva (Pós-doutorado em Filosofia na Universidade de Oxford; Professor Associado da UFCe)

Helton Machado Adverse (Pós-doutorado em História da Filosofia na École des Hautes Études en Sciences Sociales; Professor na UFMG)

Hugo Araújo Prado (Doutorado em Filosofia na UFMG; professor no Centro Universitário UNA)

Iann Endo Lobo (Doutorando em Sociologia Política na UFSC; bolsista CAPES)

Igor Campos da Silva (Mestrando em Sociologia Política na UFSC; bolsista CNPQ)

Jean Gabriel Castro da Costa (Pós-doutorado em Filosofia na Brown University; Professor na UFSC)

Luís Alves Falcão (Doutorado em Ciência Política na UERJ; Professor na UFF)

Richard Romeiro Oliveira (Doutorado em Filosofia na UFMG; Professor na UFSJ)

Tommy Akira Goto (Doutorado em Psicologia na PUC-Campinas; Professor na UFU)

 


Para obtenção de certificado de participação é necessário realizar inscrição neste link:

Inscrições

 


Canal no Youtube

Leo Strauss Brasil

 


EQUIPE DE ORGANIZAÇÃO DO EVENTO

Coordenação

Jean Gabriel Castro da Costa (jeancastrocosta@gmail.com)

Elvis de Oliveira Mendes (elvisphilos@gmail.com)

Edição do Caderno de Resumos

Elvis de Oliveira Mendes

Igor Campos da Silva

Logística e apoio na transmissão online

Igor Campos da Silva

Iann Endo Lobo

 

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